quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Direito Civil III - Princípio da Boa-Fé nas relações contratuais

O princípio da Boa-Fé contratual não é novo no nosso ordenamento jurídico, mas ganha força com a sua explicitação no novo Código Civil de 2002. O princípio da Boa-Fé pode ser interpretado de duas formas: uma objetiva e outra subjetiva.
A boa-fé subjetiva é velha conhecida no nosso ordenamento e refere-se, principalmente, à capacidade de escusa justificada. Em outras palavras, tendo havido algum inadimplemento contratual, observando-se no inadimplente elementos subjetivos que comprovem algum desconhecimento, ou erro de avaliação, poderia haver, nos limites da Lei, a justificativa ou a escusa desse erro, gerando alguns benefícios jurídicos ao de boa-fé. A boa-fé objetiva é a inovação, a qual merece melhor aprofundamento.
A boa-fé objetiva é uma obrigação legal de agir conforme as expectativas mútuas em uma relação contratual. Diferente da boa-fé subjetiva, a boa fé objetiva é um dever de agir, é cogente no sentido de que o não cumprimento deste princípio pode ser arguído como ilícito. A boa-fé objetiva foi grafada no nosso Código Civil nos Artigos 113, 187 e 422. Como norma de ação, a boa-fé objetiva perpassa todas as fases contratuais, desde a fase inicial de formação do vínculo obrigacional, passando pela sua execução, e até mesmo após a extinção da obrigação.
Do ponto de vista prático, a Boa-Fé objetiva pode ser um instrumento à equidade. Sua utilização pode conformar a própria letra do contrato aos reais objetivos que o fundaram. Em outras palavras, por este princípio, pode o juiz afastar ou reformar cláusulas contratuais expressas que sejam contraditórias aos objetivos recíprocos originais do contrato. A serviço da equidade, a boa-fé objetiva pode ser um amortecedor do formalismo extremo até então vigente nas relações civis.
Além da equidade, a boa-fé objetiva pode ser um instrumento de razoabilidade. O artigo 187 define expressamente isso: "Comete um ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestadamente os limites impostos pelo seu fim econômico e social, pela boa-fé ou pelos bons costumes." Dessa forma espera-se que os contratantes desenvolvam, no decorrer da relação contratual, uma conduta uniforme, de forma a que os atos e formações de expectativas sejam uniformes e coerentes entre sí. Por esse princípio, um dos contratantes pode arguir ilicitude em ato da outra parte, por boa-fé objetiva, mesmo que essa conduta fosse aparentemente abarcada pelo texto contratual. Claro que essa arguição necessita de motivação e da comprovação de dano da parte requerente pela pretensa conduta prejudicial da outra parte.
Por fim, outra aplicação prática da boa-fé objetiva é a obrigação de mútua cooperação entre os contratantes. A cooperação é dever meio para a efetiva consecução do dever fim, objetivo maior do contrato. Por essa obrigação de cooperação é possível arguir responsabilidade mesmo após o cumprimento da obrigação contratual. Se ato posterior de um contratante for flagrantemente contraditório aos objetivos originais do contrato já adimplido, pode o prejudicado requerer o princípio da boa-fé objetiva para repor o prejuízo da quebra do dever objetivo de cooperação. Faça-se a ressalva que a boa-fé não deve ser considerada, isoladamente, como a relativisadora-mor de todos os contratos. É preciso parcimônia no uso desse utilíssimo princípio, em harmonia com todos os outros princípios do direito.
Em suma, o princípio da boa fé, se considerado como fonte de ampliação ou criação de obrigações, ou então como interpretador e flexibilizador do formalismo contratual, ou ainda como barreira a eventuais abusos de direito, é um novo e útil instrumento para deslocar o eixo das relações obrigacionais do dogma da vontade para a busca da eficácia dos contratos. Entretanto mudanças dessa profundidade costumam demorar a serem efetivamente absorvidas pelo sistema jurídico.

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