quarta-feira, 2 de março de 2011

Direito Processual Civil V - Aula de 02/03/2011

Professor: Cleucio
Última atualização: não houve

PRINCÍPIOS DO DIREITO APLICÁVEIS AOS RECURSOS

1. Conteúdo jurídico dos vocábulos "princípio" e "regra

Os princípios são importantes no direito para conformar as regras e mediá-las, em caso de aparente conflito.

Princípio é diferente de regra. Os princípios, antigamente, não faziam parte do direito. Para os gregos, o princípio era autônomo, então se normatizava. Eram apenas valores. A partir do direito napoleônico é que os princípios passaram a orientar o direito. Na fase positivista do direito, achou-se necessário positivar os princípios, ou seja, explicitá-los para que eles tivessem validade para o direito.


A partir do momento que os princípios foram positivados, eles passaram a ser cogentes, ou seja, o comportamento contra o princípio passou a ser um comportamento ilegal.


No pós-positivismo, entretanto, percebeu-se que os princípios que estavam nos códigos poderiam migrar para as Constituições, deixando de regular relações específicas e tornando-se "guarda-chuvas" para todas as relações jurídicas. Uma vez constitucionalizados, os princípios ganharam força constitucional, tornando-se muito mais relevantes suas aplicações no direito.

Regras, entretanto, são um pouco distintas. A Constituição possui princípios e regras. Para diferenciá-los é preciso refletir a partir a acepção grega. Os princípios possuem conteúdo de valor. Já as regras descrevem fato, e sua consequência jurídica.


Os princípios são axiológicos. Carregam em si valores construídos socialmente e culturalmente. "Todos são iguais perante a lei", por exemplo, traz um princípio:  igualdade.


Já uma regra, traz descrição de fatos e consequências: "Matar alguém. X anos de prisão". Matou, deve ser preso.

Se uma regra violar um princípio há grandes indícios dessa regra estar violando os valores de uma sociedade, portanto sendo inválida para o direito.


2. Conteúdo jurídico do vocábulo "garantia

As garantias constitucionais às vezes são confundidas com princípios. A diferença entre eles não está no conteúdo, pois ambos referem-se a valores. A diferença está nos destinatários da norma. Os princípios devem ser seguidos por todos. Já as garantias destinam-se ao Estado, à autoridade estatal. A garantia é uma ressalva do cidadão ao poder do Estado. O contraditório e a ampla defesa, por exemplo, são garantias, porque é o Estado que deve provê-las.

3. Instrumentos gerais de ponderação


As normas, por terem sua origem em finalidades específicas, muitas vezes não conseguem regular todas as relações. Entretanto, pela sua natureza abstrata, a norma pode involuntariamente entrar em rota de colisão com outras normas. Com os princípios idem. Pode haver situações em que dois ou mais princípios possam ser aplicados, e no caso concreto a aplicação de cada um deles levaria a situação a um rumo distinto. Neste caso identificamos um aparente conflito de princípios. Nesse caso precisaremos utilizar métodos de ponderação, para resolver o conflito aparente.

Um exemplo: o princípio do desenvolvimento econômico e o princípio da preservação ambiental. Como mediar esses dois valores, aparentemente conflitantes em alguns casos? A teoria do direito constitucional achou uma solução para isso. São dois os instrumentos: a proporcionalidade e a razoabilidade.


3.1. O instrumento da proporcionalidade


A proporcionalidade nos indica que, comparando-se duas normas, a que menos restringir direitos fundamentais é a norma mais proporcional. Proporcional à Constituição.

No campo do processo temos alguns exemplos. Em 2001 foi modificado o processo administrativo para cobrança de tributos. Pela Lei, todo contribuinte que recorresse de uma decisão teria de depositar 30% do valor em disputa. Há dois princípios em jogo: o da ampla defesa, violado, e outro da eficiência e da duração razoável do processo, propostos pela norma. O STF, o ponderar os princípios em jogo, pendeu para o da ampla defesa. Chegou a essa conclusão porque o princípio violado tem mais relação às garantias fundamentais do que os princípios da norma proposta.

3.2. O instrumento da razoabilidade


Alguns defendem que razoabilidade e proporcionalidade são a mesma coisa. O professor defende diferente.
A razoabilidade tem lugar quando a norma editada ou proposta é incoerente com o sistema jurídico. A norma é incoerente.
Um exemplo dessa aplicação no processo temos um julgado do STF. A lei 8866/94 criou a figura do depositário de importância pecuniária do fisco. Era depositário quem fizesse retenção de tributo de terceiros e para posterior repasse ao fisco. Aquele que não repassasse o valor para o fisco seria considerado depositário infiel. Naquela época os depositários infiéis responderiam penalmente e poderiam ser presos. A lei previu que o fisco entraria com uma ação pedindo para que o responsável pela empresa seria o responsável infiel. Para defender-se, o réu teria que depositar o valor. Caso contrário poderia ter sua prisão decretada. Como se percebe a lei é incoerente. Como o objeto da ação é o valor controvertido, a obrigação de depositá-lo para defender-se não seria razoável. A lei foi considerada inconstitucional por violar a razoabilidade. Os princípios em choque eram o contraditório/ampla defesa e o princípio da eficiência na arrecadação.


4. Princípios inerentes aos recursos


4.1. Acesso à jurisdição
O direito de recorrer é garantir o acesso à jurisdição, à jurisdição plena. Ter o direito à apreciação por mais de uma instância é instrumento de garantia à jurisdição.

4.2. Devido processo legal

O recurso integra o processo legal. O respeito e aplicação dos recursos visam assegurar o devido processo legal. O devido processo legal é verificado tanto na elaboração da norma, quando na sua aplicação. Se uma norma possui um sistema recursal mínimo, então ela está conforme o devido processo legal. Esse princípio também se verifica na aplicação da norma, garantido-se a ampla defesa e o contraditório.

4.3. Pluralidade dos graus de jurisdição

A existência de mais de um grau de jurisdição é inafastável ao processo. Por isso o recurso se apresenta como um instrumento para realizar esse duplo controle da decisão.

4.4. Unirrecorribilidade (adequação do recurso)

Os recursos têm cabimentos específicos. Cada decisão tem seu recurso específico e suas regras específicas. Esse princípio visa dar segurança na forma como um recurso deve ser manejado.

4.5. Fungibilidade

Conectado ao princípio anterior, a fungibilidade visa relativizar a unirrecorribilidade quando houver sutilezas na interpretação da forma a ser aplicada no recurso. Se o erro não for grosseiro, como já vimos na aula passada, o juízo pode admitir um recurso incorreto, tratando-o como o recurso correto. Normalmente os recursos fungíveis são o especial e o extraordinário, porque o cabimento desses dois recursos implicam em uma avaliação subjetiva, tênue. É preciso distinguir se o questionamento é de violação de norma federal ou da Constituição Federal. Pode haver dúvidas que levem o operador a escolher o recurso errado. Nos demais recursos raramente se opera a fungibilidade pois ha muita clareza de sua aplicação.

4.6. Indelegabilidade da jurisdição (impedimento de supressão de instância)

O processo não pode dar saltos, ou seja, se a norma prevê a apreciação de uma instância, esta não pode ser suprimida pela análise da instância seguinte. Na prática isso ocorre quando em instância de recurso uma das partes traz um assunto que não fez parte da discussão na instância anterior. Esse assunto deve ser afastado da análise do recurso, pela aplicação desse princípio.


5. Garantias inerentes aos recursos


5.1. Direito de petição
O direito de petição aplica-se no sentido de garantir a entrada das questões. Não se pode estabelecer barreiras ao exercício dos direitos. O direito de petição é, entretanto, o direito de requerer algo perante o poder público e a obrigação do poder pública em responder. Pode haver indeferimento, mas não pode haver omissão. No âmbito dos recursos, interposto o recurso a autoridade tem obrigação de apreciá-lo.

5.2. Contraditório

O contraditório é uma garantia, direcionada ao poder público. A autoridade é que deve garanti-lo, ouvindo as partes em igualdade, sempre que uma questão nova vier ao processo.

5.3. Ampla defesa
Ampla defesa e o direito à alegação. O direito à alegação é um direito amplo, que permite um certo grau de liberdade de manifestação no processo. Já a ampla defesa garante, além da manifestação, o direito à prova. A prova é instrumento processual que busca aproximá-lo da verdade. Logo a ampla defesa é o meio que a parte tem para tentar se aproximar o máximo da verdade dos fatos.

A ampla defesa, assim, vincula-se ao direito à prova e ao direito de recorrer.

5.4. Dever de fundamentar as decisões judiciais
Toda decisão judicial deve ser fundamentada. Os recursos também, quando da sua análise. Nas decisões colegiadas a fundamentação está no Acórdão, que se baseia no voto do relator.

5.5. Publicidade dos atos processuais

Para o exercício de todos os direitos, as partes e os terceiros precisam conhecer das decisões. Por isso elas precisam ser publicadas, exceto se tiverem razões de segredo de justiça.

5.6. Duração razoável do processo

Os processos devem ser resolvidos em tempo razoável. Cabe ao intérprete definir essa razoabilidade. A doutrina entende que razoável é aquele processo que tem andamento regular. Ou seja, enquanto o processo não estiver "parado" sem razão, este atende à razoabilidade da duração do processo.

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