segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Direito Penal IV - Aula de 22/02/2010

Professor: Antônio
Última utilização: não houve


I – DOS CRIMES CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA

Por incolumidade pública, se entende a esfera de proteção e segurança que circunda a coletividade e pode ser ameaçada por riscos à vida, à integridade física e ao patrimônio de seus indivíduos.


A – DOS CRIMES DE PERIGO COMUM

A incolumidade pública engloba um número extenso de bens e objetos jurídicos a serem protegidos. Nos crimes deste capítulo, a característica principal é que a lesão ou o perigo ultrapassa a ofensa a um ou alguns sujeitos específicos, ou seja, na verdade, esse sujeito passivo é a coletividade, considerada como um número indeterminado de pessoas.

Nos tipos penais abrangidos nesse capítulo, excluídas algumas formas qualificadas, o legislador se coloca a proteger não a própria integridade física da coletividade, mas a possibilidade de dano a este bem jurídico, razão pela qual os crimes que seguem são chamados de crimes de perigo comum. Em resumo o legislador pune tão somente a existência do risco (ou perigo), independentemente se há ou não resultado.

Dessa forma o que se ressalta como metodologia para aplicação é:
  • primeiro avaliar se o destinatário do crime foi um ou mais bens jurídicos determináveis ou se foi um ataque genérico, a bens que o autor não conseguisse definir a priori. No primeiro caso não se trata de crimes de perigo comum, e não se enquadrando em nenhum artigo desse capítulo. Se houver outro artigo no CP para esse crime específico será lá que será tipificado. Se não, será atípico. Agora se o autor não pudesse identificar o bem destinatário da agressão (mesmo sendo esse bem potencialmente um só), então tratar-se-á dos crimes previstos nesse capítulo
  • segundo será avaliado se houve ou não o risco ou o perigo. Como (fora as qualificadas) os crimes desses artigos não são crimes de resultado, a existência ou não do perigo real será fundamental para a aplicação dos tipos, conforme veremos.

INCÊNDIO

Art. 250 - Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem:
Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa.
Aumento de pena
§ 1º - As penas aumentam-se de um terço:
I - se o crime é cometido com intuito de obter vantagem pecuniária em proveito próprio ou alheio;
II - se o incêndio é:
a) em casa habitada ou destinada a habitação;
b) em edifício público ou destinado a uso público ou a obra de assistência social ou de cultura;
c) em embarcação, aeronave, comboio ou veículo de transporte coletivo;
d) em estação ferroviária ou aeródromo;
e) em estaleiro, fábrica ou oficina;
f) em depósito de explosivo, combustível ou inflamável;
g) em poço petrolífero ou galeria de mineração;
h) em lavoura, pastagem, mata ou floresta.
Incêndio culposo
§ 2º - Se culposo o incêndio, é pena de detenção, de seis meses a dois anos.


Para fins do tipo penal incêndio é todo o fogo de origem dolosa ou culposa, controlado ou não, que venha a expor a risco os bens jurídicos tutelados pelo caput do artigo.

Observando o verbo nuclear do tipo "causar" e "expondo" o sujeito ativo é qualquer pessoa que exponha os outros ao risco. O sujeito passivo é a coletividade. Não pode ser um indivíduo específico (determinável ou conhecido pelo agente), porque se o for não é esse tipo pois não se trata de um crime de perigo comum.

O crime de incêndio tem determinado bem jurídico tutelado, que pode ser facilmente localizado pela sua posição geográfica no Código Penal. É o primeiro crime do capítulo I, do título VIII que trata dos crimes contra a incolumidade pública. O mencionado capítulo trata dos crimes de perigo comum.

Assim, chegamos facilmente a conclusão de que o bem jurídico tutelado pelo crime do artigo 250 é a incolumidade pública, razão pela qual, incêndio propagado dolosamente na casa de determinada pessoa, longe de outras, não configura esse crime.

Sujeito ativo: sujeito ativo do crime é qualquer pessoa, sendo, portanto crime comum.

E o proprietário que incendeia sua casa para receber o seguro? Se com o incêndio colocar em risco a incolumidade pública, responderá pelo artigo 250 do CP na forma qualificada. Se sua intenção era outra, como por exemplo aplicar fraude para receber valor de seguro, mas não causar nenhum risco comum, poderá responder apenas pelo crime de estelionato previsto no artigo 171, §2º, V do Código Penal.

Sujeito Passivo: diretamente a coletividade e indiretamente também serão sujeitos passivos aqueles que tiverem seus bens lesados, ameaçados ou danificados.

Tipo objetivo: É o fogo que traz perigo a coletividade.

Logo resta saber, para haver ou não o crime, se há ou não o perigo. Mas o que é perigo?

Há dois tipo de perigo: o concreto e o abstrato. Os crimes de perigo concreto exigem prova, os de perigo abstrato, não.

O perigo concreto precisam de uma avaliação técnica para se saber se ele realmente existiu. O perigo abstrato é apenas uma convenção de que, cumpridos certos requisitos, presume-se o perigo.

Nos crimes desse capítulo, a regra geral é a exigência de perigo concreto, ou seja, os que requerem prova. Entretanto há a possibilidade de aceitação de perigo abstrato em casos que a lei assim o definir. Nos concretos o perigo é avaliado por laudo pericial. Nos abstratos o perigo é avaliado por uma convenção prevista na norma.

Como regra, o crime é de perigo concreto, ou seja, para a configuração do crime deve haver prova material de que realmente, em decorrência do fogo, houve perigo à coletividade. Essa prova é realizada na forma do Art. 173 do Código de Processo Penal, que diz:

"Art. 173. No caso de incêndio, os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver começado, o perigo que dele tiver resultado para a vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e as demais circunstâncias que interessarem à elucidação do fato".

Assim, se o fogo apresentou perigo somente a uma pessoa ou a um grupo determinado de pessoas, como os três moradores da casa 32, por exemplo, estará configurado outro crime, como o do artigo 132, mas não o do 250 do CP. Entenda-se por grupo determinado de pessoas um grupo determinável pelo agente. Se o agente ateou fogo em um prédio sem destinatário específico, mesmo que tenha atingido apenas uma pessoa, ainda assim se configuraria o crime de perigo comum.

A questão da prova pericial

Estudo de caso: Em São Paulo, uma fábrica de colchões se incendeia, colocando em risco a coletividade. Após duas horas de incêndio, tem início uma forte chuva que inunda o local e acaba em uma enchente, que com as forças da água destrói o prédio. Como delegado, você descobre diversos indícios da prática de crime (que o incêndio foi doloso). O que fazer?
A questão desse problema é que não será possível fazer uma perícia. Nesses casos a jurisprudência define que essa prova (pericial) poderá ser suprida por outras provas, como a testemunhal e outras. Ou seja, na impossibilidade de se usar a forma de prova do 173 pode-se usar a forma de prova do 167 (testemunhal), ambos do CPP.

Já para os demais crimes desse capítulo (que não o de incêndio), se usa a o método de prova do Art. 158 do CPP.

Tipo subjetivo

Pode ser praticado por ação ou omissão, quando ocorrerá crime omissivo impróprio. Por omissão quando o agente tem o dever de agir não apaga o incêndio. Um bombeiro, por exemplo. Mesmo respondendo o agente causador do incêndio, o garantidor, que se omitiu, também responderá na forma omissiva.

Será comissivo quando o agente agir positivamente no sentido de causar o incêndio, como aquele que ateia fogo à grama seca de seu quintal e este se espalha.

O perigo tem que ficar comprovado, ou seja, qualquer fogo, como uma fogueira de São João, não vem a caracterizar o crime de incêndio, devendo, obrigatoriamente, haver o fogo perigoso, que ameace concretamente coisas ou pessoas. Tal "perigo" tem que ficar comprovado através de exame de corpo de delito direto ou indireto, conforme já previamente dito.

O perigo pode vir do pânico.

Em todos os crimes desse capítulo admite-se o perigo quando esse decorra tão somente do pânico. Em outras palavras, mesmo que a perícia determine que o fogo não seria por si só capaz de causar danos, se o autor ou as condições fizeram as pessoas acreditarem realmente que haveria o perigo, de forma a causar o pânico, há o perigo. O perigo seria causado pelo próprio pânico, que botaria as pessoas em situação de risco.

Consumação e tentativa
Como se trata de crime de perigo concreto, só será consumado quando o fogo tomar proporções que venham a ameaçar concretamente os objetos jurídicos vida, integridade física ou patrimônio da coletividade. Haverá a tentativa quando por circunstâncias alheias a vontade do agente, este não conseguir propagar o fogo a ponto de causar o perigo comum.

CAUSAS DE AUMENTO DE PENA DO §1º

A pena para o crime será majorada em um terço se o crime é cometido diante das circunstâncias do §1º:
  • I – se o crime é cometido com intuito de obter vantagem pecuniária em proveito próprio ou alheio (é, por exemplo, o incendiário que recebe pagamento para atear fogo em determinado bem, causando então perigo à incolumidade pública)
  • II – se o incêndio é contra:
    • a) casa habitada ou destinada a habitação;
    • b) em edifício público ou destinado a uso público ou a obra de assistência social de cultura;
    • c) em embarcação, aeronave, comboio (trem) ou veículo de transporte coletivo;
    • d) em estação ferroviária ou aeródromo (aeroporto) - rodoviária se encaixaria em edifício público;
    • e) em estaleiro, fábrica ou oficina;
    • f) em depósito de explosivo, combustível ou inflamável;
    • g) em poço petrolífero ou galeria de mineração;
    • h) em lavoura, pastagem, mata ou floresta.

FORMA CULPOSA

No direito penal existe o princípio da excepcionalidade do crime culposo, só podendo haver essa forma se prevista expressamente no tipo penal (art. 18, parágrafo único do CP). O legislador tratou de incluir a figura dentre as possíveis no crime de incêndio, logo admite-se a forma culposa.
É o crime do sujeito que age sem observar o dever de cuidado objetivo, sendo previsível o resultado. É o capataz de fazenda que, ao atear fogo em determinada pastagem, deixa de fazer os necessários piquetes para que o fogo não se alastre, vindo esse a se alastrar causando perigo concreto

QUALIFICAÇÃO PELO RESULTADO
Aplica-se para o crime de incêndio o disposto no artigo 258 do Código Penal. Em outras palavras, o crime de perigo não exige resultado. Mas se houver algum resultado daqueles descritos no artigo 258, o crime é qualificado. Isso resolve muitas dúvidas em relação a danos provenientes desses fatos. Se o incêndio (ou a explosão, como veremos), causar morte, por exemplo, não se trata de homicídio mas sim crime de incêndio qualificado. Claro que a intenção do agente não poderia a de causar o dano direto àquela pessoa, porque se fosse não seria nem crime de perigo comum, como vimos.

EXPLOSÃO

Art. 251 - Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de dinamite ou de substância de efeitos análogos:
Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa.
§ 1º - Se a substância utilizada não é dinamite ou explosivo de efeitos análogos:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Aumento de pena
§ 2º - As penas aumentam-se de um terço, se ocorre qualquer das hipóteses previstas no § 1º, I, do artigo anterior, ou é visada ou atingida qualquer das coisas enumeradas no nº II do mesmo parágrafo.
Modalidade culposa
§ 3º - No caso de culpa, se a explosão é de dinamite ou substância de efeitos análogos, a pena é de detenção, de seis meses a dois anos; nos demais casos, é de detenção, de três meses a um ano.

Características do crime de explosão:

É o crime daquele que expõe a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de dinamite ou de substância de efeitos análogos.

Em muito se assemelha com o crime de incêndio, até por que, também é crime contra a incolumidade pública. Há ampla legislação positivada que proíbe o manuseio (uso, transporte, fabricação, etc) de tais substâncias.

Sujeito ativo: trata-se de crime comum, podendo ser cometido o crime por qualquer pessoa.

Sujeito Passivo: A coletividade, mas também a pessoa, ou pessoas determinadas, que tiverem qualquer de seus bens jurídicos – citados no caput - lesados.

Tipo objetivo: O tipo penal prevê três condutas diferentes que podem configurar o crime. A primeira delas é a explosão, que ocorrerá quando o agente se utilizar de qualquer substância que possa vir a se romper com estrondo e força, a arrebentar, estourar causando perigo comum. Explosão é a "comoção seguida de detonação e produzida pelo desenvolvimento repentino de uma força ou pela expansão súbita de um gás" ; o arremesso é o ato do agente colocar em deslocamento no ar, seja através das próprias mãos, seja através de artefatos mecânicos dinamite ou substância de efeitos análogos; a simples colocação é o ato do agente que fixa, coloca, arma, arruma o explosivo em local que possa representar perigo a coletividade.

Muito interessante anotar que aqui o legislador se utiliza de forma singular na construção da norma jurídica, haja vista a importância do bem jurídico tutelado. É que ao punir o arremesso ou a colocação em igualdade à explosão, está, na verdade, no primeiro caso, a punir os atos executórios do crime de explosão; no segundo, os atos preparatórios. Isso quer dizer que não há necessidade de que o explosivo dinamite, substância de efeitos análogos ou outro assemelhado (§1º) venha efetivamente a detonar, bastando tão somente que seja arremessado ou colocado.

Vale, entretanto, registrar que se trata de crime de perigo concreto, necessária, portanto, a prova de que o artefato explosivo era hábil a causar dano.

Em que pese essa necessidade de perigo concreto, admite-se que há perigo se este vier do pânico. Seria o caso de uma pegadinha de programa de TV onde o agente retira de dentro do casaco duas "bananas de dinamite" acesas, gerando alvoroço e correria na população. Nesse caso aplica-se a pena do parágrafo primeiro, visto que a substância usada não é dinamite ou de efeito análogo. As substâncias de efeito análogo consideram-se aquelas químicas. As demais substâncias explosivas (vapor, etc.), assim como as não-explosivas (bombas de mentira), enquadram-se no parágrafo primeiro. O sujeito da pegadinha, com a bomba falsa, que causou pânico, seria enquadrado nesse parágrafo.

Tipo subjetivo: É o dolo do agente em praticar as condutas do caput. É necessário apenas que tenha consciência de que coloca em risco a coletividade com seu ato. O crime poderá ser culposo, nos termos do §3º.

Forma comissiva e omissiva
O crime será praticado na forma comissiva, todavia, pode ocorrer na forma omissiva quando o agente estiver na posição de garantidor, caso em que o crime será omissivo impróprio.

Consumação e tentativa: Consuma-se o crime com a verificação do perigo concreto. Pode haver tentativa, pelo mesmo mecanismo descrito no crime de incêndio.

FORMA PRIVILEGIADA DO §1º E CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO §2º

A pena é menor se a substância explosiva não é dinamite ou explosivo de efeitos análogos, como por exemplo, o uso de pólvora que não seja tão devastadora quanto aquelas ou até vapor d´água.

O §2º prevê majoração da pena na ocorrência de qualquer das hipóteses do artigo 250 (incêndio), §1º, incisos I e II (vide descrição acima, no crime de incêndio).

FORMA CULPOSA - Parágrafo Terceiro
Admite também a culpa, quando falta ao agente o dever de cuidado objetivo, agindo com imperícia, imprudência ou negligência.
Interessante é anotar que segundo a majoritária doutrina a culpa só poderá incidir na hipótese da explosão, pois não se aplica ao arremesso ou à colocação, ações que necessitam da forma dolosa. Outro fato que reforça esse entendimento é a própria redação do tipo penal, onde o legislador só fez constar a expressão explosão.
É o caso do agente que trabalha com explosivos, por exemplo, na construção civil, e o agente os coloca em local próximo ao calor. Se ocorrer explosão, responderá por explosão culposa; se não ocorrer, não responderá por nada, por ausência de previsão legal.

Estudo de caso: Bia visando causar explosão com perigo à incolumidade pública, coloca engenho explosivo no banheiro de sua escola. Deseja a explosão do sanitário (o dolo está definido). Ocorre que, pouco antes da explosão, alguém senta no sanitário e se acaba morto pela explosão.
Neste caso, aplica-se o artigo 258, que é preterdoloso, porque há dolo na explosão e culpa no homicídio. Sempre que o dolo for de perigo comum sempre será aplicado algum artigo de crime comum.

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